segunda-feira, 29 de maio de 2017

Meu comentário numa reportagem da BBC Brasil

A excelente página da BBC Brasil lançou uma reportagem apontando a evasão escolar como raiz dos problemas de violência. Artigo muito bom, cuja leitura é bastante interessante.

Senti-me provocado a escrever alguma coisa e, na página da BBC no Facebook, escrevi o seguinte.

Sou professor desde 2004 e lecionei em quase todos os níveis possíveis, tendo passado por cursinhos pré-vestibulares (alguns voluntariamente), colégio religioso e colégios particulares, sendo que atualmente leciono somente nesse tipo de instituição. Acredito que minha experiência mais marcante foi, justamente, ao lecionar Geografia na Fundação Casa de Sorocaba, onde fiquei anos suficientes para ver alunos entrarem, saírem e retornarem.


Não acredito que se deva afirmar que a educação seja a mesma de 50 anos atrás, pois aquela educação não era tão abrangente quanto a atual. Ademais, se essa educação é a mesma, me questiono sobre o quanto a rede particular possui de evasão escolar. Acredito que devemos tocar num ponto bastante sensível: o conteúdo deveria ser o mesmo entre as escolas particulares e as públicas, mas não é.


Se as escolas particulares possuem estrutura para estimular o estudo, o mesmo não acontece nas escolas públicas, motivo que me faz voltar a refletir sobre minha experiência na Fundação Casa. Não foram poucos os alunos que passaram em minhas salas de aula que tinham aprendido códigos de comportamento pré-estabelecidos que indicavam um pensamento/sentimento contrário à hierarquia escolar, ao professor em si e ao ato de aprender. Vejam bem, eu tinha salas de aula composta por assassinos, sequestradores, traficantes etc. e um comportamento em comum os unia: eles não viam sentido em estar ali.


No início de meu trabalho lá, em 2007, os agentes de segurança ficavam na sala de aula monitorando a segurança. Anos mais tarde, a capacidade que eu tinha de dialogar com os meninos era tão grande que os agentes de segurança simplesmente aproveitavam minha aula para irem tomar café ou fumar um pouco. Certa vez, um aluno recém-egresso quis me desafiar em sala de aula e eu estava sozinho, ao que um outro aluno meu lhe diz: “cara, não zoa com ele não que ele é de boa”. Aquilo me marcou, afinal, o que me fazia ser um professor “de boa”? Na época, toda quarta-feira eu dava aula para o Ensino Médio completo de um colégio particular desses que colocam fotos de alunos em outdoors para exaltarem sua capacidade de aprovação em vestibulares e, no dia seguinte, dava as mesmas aulas para tais alunos na Fundação. Não acho que fosse isso que me qualificava perante os alunos, mas a capacidade de dialogar e/ou de tentar buscar exemplos no cotidiano deles referentes àquilo que eu lecionava. Principalmente, o fato de eu ter respeito a eles e vindo deles.


Respiro fundo e penso nos vários memes que já li associando minha profissão a um suposto fracasso pessoal.


A sociedade reproduz muitas lógicas perversas, como a de que os cidadãos têm valores conforme o poder de consumo de cada um ou, então, que adultos que passam suas vidas lecionando a crianças e jovens são fracassados. Tal qual um tronco, existem várias ramificações nesses pensamentos, sobretudo os que pregam que é mais garantido a um indivíduo tentar a sorte com as diversas modalidades do entretenimento (música, dança, grafitti, futebol) do que o empenho escolar. Para piorar, a crise econômica afugenta nossos “cérebros”, que preferem tentar dar continuidade ao seu trabalho acadêmico em outros países e não são conhecidos do grande público, ajudando a criar a ideia de que, no Brasil, ir à escola não leva a nada.


A primeira violência que esses jovens sofrem é o de não verem sentido em ir à escola, visto que ela (1) não é composta por indivíduos reconhecidos pela sociedade como bem-sucedidos e (2) não deve dar frutos imediatos que a sociedade de consumo considera ideal. Como consequência disso, sair da escola torna-se um anseio acessível e esses jovens tornam-se mais afastados ainda da infraestrutura social que deveria lhe prestar assistência.


Um outro problema que acontece é quando o jovem entra na Fundação Casa e/ou na cadeia. Não há interesse em reinseri-los na sociedade, uma vez que os crimes não setorizam a organização desses lugares, sendo o indivíduo colocado  em alas ou prédios conforme critérios aleatórios (vagas disponíveis, bairro de origem etc.). Em um ambiente onde um ladrão de carro divide espaço com traficante, obviamente se criará um ambiente propício a que as coisas tendam ao fracasso.


Não tenho a ambição de propor soluções, não está na minha alçada, mas gostaria de ver programas públicos de prevenção. É necessário que os jovens entendam qual o papel do Estado em suas vidas (deixando de praticarem aquela coisa enfadonha de repetirem sobre seus “direitos e deveres”, que fazem sentido em suas palavras, mas não em seus atos). Se o indivíduo entende que não está sozinho, sobretudo em baixas idades escolares, ele tende a ver suas possibilidades de escolha com outros olhos. Finalizo concordando com o autor quando ele fala sobre a “ideologização” atual, em que pensamentos progressistas tendem a ser marginalizados somente por serem associados à esquerda.


Uma pena. A máquina que moi vidas de policiais e cidadãos continuará funcionando por muito tempo.

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