Senti-me provocado a escrever alguma coisa e, na página da BBC no Facebook, escrevi o seguinte.
Sou professor desde 2004 e lecionei em quase todos os níveis possíveis, tendo passado por cursinhos pré-vestibulares (alguns voluntariamente), colégio religioso e colégios particulares, sendo que atualmente leciono somente nesse tipo de instituição. Acredito que minha experiência mais marcante foi, justamente, ao lecionar Geografia na Fundação Casa de Sorocaba, onde fiquei anos suficientes para ver alunos entrarem, saírem e retornarem.
Não acredito que se deva afirmar que a educação seja a mesma
de 50 anos atrás, pois aquela educação não era tão abrangente quanto a atual. Ademais,
se essa educação é a mesma, me questiono sobre o quanto a rede particular
possui de evasão escolar. Acredito que devemos tocar num ponto bastante
sensível: o conteúdo deveria ser o mesmo entre as escolas particulares e as
públicas, mas não é.
Se as escolas particulares possuem estrutura para estimular
o estudo, o mesmo não acontece nas escolas públicas, motivo que me faz voltar a
refletir sobre minha experiência na Fundação Casa. Não foram poucos os alunos
que passaram em minhas salas de aula que tinham aprendido códigos de
comportamento pré-estabelecidos que indicavam um pensamento/sentimento
contrário à hierarquia escolar, ao professor em si e ao ato de aprender. Vejam
bem, eu tinha salas de aula composta por assassinos, sequestradores, traficantes
etc. e um comportamento em comum os unia: eles não viam sentido em estar ali.
No início de meu trabalho lá, em 2007, os agentes de
segurança ficavam na sala de aula monitorando a segurança. Anos mais tarde, a
capacidade que eu tinha de dialogar com os meninos era tão grande que os
agentes de segurança simplesmente aproveitavam minha aula para irem tomar café
ou fumar um pouco. Certa vez, um aluno recém-egresso quis me desafiar em sala
de aula e eu estava sozinho, ao que um outro aluno meu lhe diz: “cara, não zoa
com ele não que ele é de boa”. Aquilo me marcou, afinal, o que me fazia ser um professor
“de boa”? Na época, toda quarta-feira eu dava aula para o Ensino Médio completo
de um colégio particular desses que colocam fotos de alunos em outdoors para
exaltarem sua capacidade de aprovação em vestibulares e, no dia seguinte, dava
as mesmas aulas para tais alunos na Fundação. Não acho que fosse isso que me
qualificava perante os alunos, mas a capacidade de dialogar e/ou de tentar
buscar exemplos no cotidiano deles referentes àquilo que eu lecionava.
Principalmente, o fato de eu ter respeito a eles e vindo deles.
Respiro fundo e penso nos vários memes que já li associando
minha profissão a um suposto fracasso pessoal.
A sociedade reproduz muitas lógicas perversas, como a de que
os cidadãos têm valores conforme o poder de consumo de cada um ou, então, que
adultos que passam suas vidas lecionando a crianças e jovens são fracassados. Tal
qual um tronco, existem várias ramificações nesses pensamentos, sobretudo os
que pregam que é mais garantido a um indivíduo tentar a sorte com as diversas modalidades
do entretenimento (música, dança, grafitti, futebol) do que o empenho escolar.
Para piorar, a crise econômica afugenta nossos “cérebros”, que preferem tentar
dar continuidade ao seu trabalho acadêmico em outros países e não são
conhecidos do grande público, ajudando a criar a ideia de que, no Brasil, ir à
escola não leva a nada.
A primeira violência que esses jovens sofrem é o de não
verem sentido em ir à escola, visto que ela (1) não é composta por indivíduos
reconhecidos pela sociedade como bem-sucedidos e (2) não deve dar frutos
imediatos que a sociedade de consumo considera ideal. Como consequência disso,
sair da escola torna-se um anseio acessível e esses jovens tornam-se mais
afastados ainda da infraestrutura social que deveria lhe prestar assistência.
Um outro problema que acontece é quando o jovem entra na
Fundação Casa e/ou na cadeia. Não há interesse em reinseri-los na sociedade,
uma vez que os crimes não setorizam a organização desses lugares, sendo o indivíduo
colocado em alas ou prédios conforme
critérios aleatórios (vagas disponíveis, bairro de origem etc.). Em um ambiente
onde um ladrão de carro divide espaço com traficante, obviamente se criará um
ambiente propício a que as coisas tendam ao fracasso.
Não tenho a ambição de propor soluções, não está na minha
alçada, mas gostaria de ver programas públicos de prevenção. É necessário que
os jovens entendam qual o papel do Estado em suas vidas (deixando de praticarem
aquela coisa enfadonha de repetirem sobre seus “direitos e deveres”, que fazem
sentido em suas palavras, mas não em seus atos). Se o indivíduo entende que não
está sozinho, sobretudo em baixas idades escolares, ele tende a ver suas
possibilidades de escolha com outros olhos. Finalizo concordando com o autor
quando ele fala sobre a “ideologização” atual, em que pensamentos progressistas
tendem a ser marginalizados somente por serem associados à esquerda.
Uma pena. A máquina que moi vidas de policiais e cidadãos continuará
funcionando por muito tempo.
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