sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Sobre Bündchen e a submissão feminina

Antes de mais nada, lembro que houve uma propaganda criticada publicamente pelo governo (via Secretaria de Políticas para as Mulheres) e que eu não necessariamente dou apoio a ela. Feito o esclarecimento, descrevo uma propaganda que se inspira naquelas dos anos 50, em que as mulheres eram tidas como
sexo frágil. Citam-se uma série de problemas (ligados ao carro ou ao cartão de crédito), mas tudo suavizado pela sensualidade da Gisele, que estaria ensinando o jeito certo de comunicar ao marido tais problemas.

Analisando a repercussão, em trecho retirado do Estadão:


Para Aparecida Gonçalves, Secretária Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, o problema da peça publicitária "não é Gisele Bündchen, nem a lingerie, mas é a questão que está por trás disso. É passar uma imagem errônea da mulher brasileira, que não é submissa, é consumidora, moderna e até presidente", diz. "Agora, se fosse num jantar à luz de velas, o charme e a lingerie até se justificariam", afirma.

Aparecida (Secretária Nacional de Combate) diz se sentir ofendida pela propaganda, já que, como ela própria descreve, "é baixa, gorda e índia" e não se vê representada na peça publicitária. Ela afirma que o objetivo da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) é questionar que tipo de imagem da mulher brasileira está sendo criado.


Bom, vamos por partes. Primeiro que a forma como o jornal escreve instiga uma série de discussões:
1- Qual é o público-alvo da propaganda? Estamos mais próximos de Giseles ou Aparecidas?
2- Aparecida poderia me dizer qual é o tipo de imagem ideal da mulher brasileira?
3- Qual é o papel do homem moderno?

O público-alvo é talvez mais fácil de ser definido. Estamos falando de mulheres que projetam a imagem de jovialidade sobre si mesmas. Não importa a idade delas, pois querem continuar jovens. Nesse caminho, pouco importa o que Gisele falava, já que o que era importante foi transmitido, a ideia de que com tais peças de vestuário a mulher poderia se sentir poderosa ou sensual. Não é disso que se trata a publicidade moderna, vender uma ideia, não um produto? É aqui que reside a segunda pergunta, mais capciosa: independente do que diz o IBGE, as brasileiras fazem suas escolhas refletindo qual imagem? Essa pergunta indica o norte das agências de propaganda, e apesar de sermos um país de Aparecidas, fazemos compras a la Gisele.

Uma coisa é a Aparecida Gonçalves querer suspender a propaganda alegando que nega muitos anos de conquistas femininas (como a inclusão dos diferentes tipos de mulher num mundo dominado pelos diferentes tipos de homem). Outra coisa é ela alegar que não se identifica com a propagada por ser "baixa, gorda e índia". A política nacional de inclusão não pode ser de pasteurização: temos os mesmos direitos, mas somos diferentes. E se a propaganda tivesse claramente o objetivo de se identificar com um segmento específico da nossa sociedade? Supondo que os ateus resolvessem fazer propagandas na TV aberta sobre seu posicionamento, o governo poderia pedir a suspensão baseado no fato de que a maioria é cristã?

Isso nos leva à segunda pergunta. Qual é a brasileira ideal? Se o governo está pasteurizando, será que podemos apontar que o padrão é ser mãe solteira, chefe (ou chefa) de família, índia ou negra? O IBGE tem alguns problemas quanto a isso, com certeza. Vejamos o Art. 1º da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, do Estatuto da Igualdade Racial:
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram  pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam  autodefinição análoga;"
Embora a maioria dos brasileiros com biotipos de branco e de negro também seja mestiça, o IBGE inclui como PARDOS (mestiços), os mulatos (mestiços de negros com brancos, afrodescendentes), caboclos (mestiços de índios com brancos, indiodescendentes) e cafuzos (mestiços de negros com índios,  afroindiodescendentes). Fica evidente a dificuldade em definir a brasileira ideal, já que nós enfraquecemos a minoria indígena em função da minoria negra, que sai fortalecida politicamente. A Secretaria faria um grande favor se lembrasse que o brasileiro é uma mistura, resultado de uma miscigenação (de vez em quando é bom misturar..) incentivada por motivos colonialistas. Dentro dessa mistura, temos nossas próprias exceções: os Bündchen da Silva. Afinal, Gisele é ou não é brasileira também?

Por fim, mas não menos importante, o papel do homem moderno é debochado pelo comercial ao ser reduzido a um mero provedor de bens materiais à mulher, facilmente trocados por favores sexuais, como bem observou Fausto Rodrigues de Lima, promotor de Justiça do Distrito Federal, num texto que me foi indicado por uma tuiteira, a @Paty_D. Há algo paradoxal: em um momento em que as mulheres conquistam o mercado de trabalho, o homem (especialmente o da classe média) entra em crise com relação ao seu papel na sociedade e na família. O provedor, macho alfa, passa a ser o segundo maior salário da família, atrás de sua mulher, fenômeno que vem acontecendo em uma série de países, não só no Brasil.

Não causa estranheza que para um determinado grupo de publicitários, a mulher se identifique com a sociedade anterior à nossa, a patriarcal? Será que eles detectaram que seu público-alvo usam o sexo não apenas como lazer ou para fins reprodutivos, mas como barganha? Se for assim, será que as mulheres estão prontas para serem vistas novamente como objetos?

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