domingo, 8 de agosto de 2010

Eleições, geopolítica e Colômbia.

 por Gustavo Marichal
As eleições presidenciais brasileiras têm testado os candidatos em relação à política externa brasileira ou, sob a ótica geográfica, quanto ao papel o Estado brasileiro poderia ter, no cenário internacional, de acordo com candidato. Infelizmente, a disputa entre os dois principais candidatos não é capaz de polarizar a discussão sobre o papel do Estado entre aqueles que o pensam como“distribuidor de direitos” e aqueles que o tomam como um sujeito político com ânsia de poder. Fosse assim, muitos eleitores teriam mais clareza sobre as propostas e em quem votar. Deixemos isso, por hora, de lado, para abordar a função do Estado.

Para André Martin, partidário da ideia de que os Estados (especialmente os fortes) tiveram no passado recente um categórico imperativo político de expandir seu território pela colonização, união com outros Estados, ou conquistas de diferentes espécies, há um retorno aos métodos mais “primitivos” de dominação, exemplificados pela ocupação do Afeganistão e do Iraque, ainda que se excetue, nesses casos, a necessidade de criação de colônias.

É neste ponto que parece ser interessante lembrarmos de que durante muito tempo a política brasileira guiou-se pela posição geográfica favorável, próxima do centro dinâmico formado pelo Atlântico Norte, e pela necessidade de reduzir a influência da Argentina na América do Sul, donde a construção de uma rede viária rumo ao centro deste país e, finalmente, rumo aos países do Pacífico, auxiliaria no processo, reforçando o caráter de potência terrestre, ainda que apenas regionalmente, que o Brasil possui.

Um livro dos anos 30, de Mário Travassos, sucesso em sua época, mas que infelizmente não foi mais reeditado, relata uma preocupação em relação à “potência extrarregional”, que se aproveitaria da instabilidade e fragmentação dos vales andinos, sobretudo na Colômbia (país de posição estratégica relevante, pois próximo do Caribe e do Pacífico), para aumentar sua influência no subcontinente. Dessa forma, alertava os brasileiros em relação à penetração yankee, especialmente no “corredor” colombiano, em direção à Amazônia. Mais do que reduzir a influência argentina na região, Travassos esperava neutralizar a presença dos Estados Unidos na América do Sul através da rede variada de transportes, com hidrovias, rodovias e ferrovias integradas. Como consequência dessa expansão rumo a oeste, resolveriam-se os graves problemas sociais, ademais de projetar o Brasil como potência no continente e para além-mar.

Por mais que essas ideias possam ser vistas como sendo antigas, uma vez que teriam mais de 60 anos, não se pode negar o aspecto atual delas. O governo de Álvaro Uribe, findo há pouco, ficou marcado pela difícil relação com seus vizinhos, em especial com a Venezuela, além da proximidade com os Estados Unidos em função do combate ao tráfico de drogas, mas que trouxe como efeito colateral o fortalecimento militar americano na região. A posse de Juan Manuel Santos, novo presidente colombiano, mostrou uma tentativa de buscar diálogos com seus vizinhos, inclusive atendendo a requisição equatoriana de um computador que supostamente pertenceria às FARC. Entretanto, não se pode afirmar que haverá estabilidade na região, nem a curto ou médio prazo, já que Santos era candidato governista e chegou a ser ministro da Defesa de Uribe.

Voltando à questão da eleição brasileira deste ano, algumas coisas parecem carentes de discussão. Por exemplo, o vice de Serra acusou Dilma de se envolver com as FARC colombianas. Independentemente do aspecto ilegítimo da acusação, e levando em consideração o exposto previamente, será que se deve levar a discussão em torno das relações do Brasil com a América do Sul dessa forma? No limite, será que se pode afirmar que os debates públicos “escondem” duas posturas antagônicas, a primeira sendo a daqueles que querem um Brasil protegido dos EUA e, a segunda, daqueles que querem um Brasil protegido pelos EUA?

Por fim, seria possível afirmar que, independente do candidato eleito, a nova política internacional brasileira dará continuidade às ações do atual governo?