domingo, 27 de junho de 2010

Dialogando com José Goldemberg

por Gustavo Marichal

Numa comunidade do Orkut, me perguntaram sobre a entrevista do José Goldemberg à Época, em que ele afirma que o Brasil quer ter a tecnologia nuclear. Reproduzo abaixo o que respondi.

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William, pergunta interessante. Em minhas aulas, eu cito que o Brasil está se armando, e que isso é bom. Eu honestamente só consigo entender a postura da elite brasileira quando eu lembro que Milton Santos afirmava que as pessoas não querem direitos, querem privilégios. Explico: num mundo em que guerras são feitas por causa do petróleo (Iraque), da água (o atual contexto da relação Israel-Palestina) e do ferro (Afeganistão), o Brasil deveria começar a ser ver como um futuro alvo, mas a elite critica esse protecionismo - lembrando que, em relação às riquezas citadas acima, nós temos o Pré-Sal, os Aquiferos Guarani e Alter do Chão, além do Quadrilátero Ferrífero e de Carajás.

David Harvey, no livro O novo imperialismo, tem todo um capitulo dedicado a debater o papel americano. Ele cita uma reportagem do New York Times, de Michael Ignatieff, que diz que "toda a guerra norte-americana ao terror é um exercício de imperialismo. Isso talvez choque os norte-americanos, que não gostam de conceber seu país como um império. Mas que outro nome podemos dar às legiões norte-americanas de soldados, de agentes secretos e de forças especiais espalhadas pelo globo?". Repare que esse posicionamento repercute positivamente na mídia: o redator do Wall Street Journal, Max Boot, chegou a afirmar que "o Afeganistão e outras terras perturbadas clamam hoje pelo tipo de administração externa esclarecida um dia proporcionada por ingleses autoconfiantes que usavam jodhpurs e capacete". Bem interpretado, o leitor conclui que esses povos estão somente esperando a luminosidade que a administração externa, e somente ela, pode oferecer.

O que me assusta não é ver um redator, editor ou jornalista americano falando esse tipo de besteira pró-invasão. O que me assusta é ver a mídia brasileira comprando esse discurso, e incentivando o enfraquecimento do Brasil. Veja o exemplo a seguir.

No site do JC
Lula justificou os gastos [com a compra de 36 caças Rafale da França] com o argumento de que o Brasil precisa proteger melhor suas riquezas. "Esse país tem 360 milhões de hectares de terra na Amazônia que precisamos preservar. Agora descobrimos uma outra riqueza que é o pré-sal. Sabemos a quantidade de petróleo que temos e desenvolvermos a área de defesa é cuidar do nosso território", justificou Lula, durante coletiva de imprensa ao lado do presidente francês.

"Deve sempre passar pela nossa cabeça a ideia de que o petróleo já foi motivo de muitas guerras, muitos conflitos. Não queremos nem guerra nem conflito. O Brasil vê oportunidade do pré-sal como oportunidade de daqui a 10 ou 15 anos se transformar em grande economia mundial", afirmou.

No site da Veja
Nelson Jobim, que enxergou nos Rafale os caças que a Aeronáutica não quer mas o Brasil merece, por serem os mais caros e menos testados,  promete usar o que sobrar nos cofres públicos para a compra de equipamentos de defesa antiaérea fabricados na França. “O chefe acha importante proteger agora o petróleo do pré-sal que vai jorrar em 2030″, confidenciou um amigo do ministro.  “Se ainda assim estiver mal nas pesquisas, ele vai propor ao presidente a aquisição do Aerolula 2″.

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Repare como em uma reportagem, a informação é passada de forma direta, mas na reportagem da Veja a informação é carregada de ironia, sarcasmo e depreciação. Eu dei esse exemplo para lembrá-lo de que o link que vc nos passou é da Época, que também passa pelos problemas da Veja, embora bem mais sutis. Por exemplo, leia este trecho: "O Brasil se recusa a assinar o protocolo e defende o direito do Irã de ter a energia nuclear – oficialmente apenas para fins pacíficos. Para o físico José Goldemberg, uma autoridade internacional em assuntos de energia, essas são evidências, somadas a outras, de que o Brasil busca a posse de armas nucleares".

Já no final dos anos 70, o acordo nuclear com a Alemanha fez com que pessoas afirmassem que queríamos armas nucleares. De tempos em tempos, esse tipo de assunto ganha força na mídia. O que assusta é como a mídia aborda isso pejorativamente, conforme explicarei nos parágrafos a seguir.

O que faz com que um país seja hegemônico? Não adianta ter uma força econômica apenas, precisa de uma força militar que dê sustentação. Há uma frase que eu sempre digo em sala de aula: todo tipo de comércio é uma forma potencial de fazer guerra. Foi para evitar a guerra que os países europeus ficaram anos discutindo a partilha da África e da Ásia (quando a Alemanha e Itália concluem o processo de unificação nacional, questionam o acordo e esse descontentamento, aliado à necessidades econômicas internas, provoca a Primeira Guerra Mundial). Perceba que há uma necessidade dos países de se organizarem em níveis hierárquicos, sendo que o potencial bélico é o critério de seleção. Pode-se afirmar que as bombas nucleares foram aquilo que os países centrais têm que os colocou no topo. Se algum país quiser ocupar esse lugar no topo, precisa se igualar em força bélica (ou, em outras palavras e no nosso contexto histórico, ter capacidade de gerar bombas nucleares) e criar um novo tipo de arma que ninguém mais tenha. Nessas condições, há o rompimento das relações de poder. Isso foi visto quando Portugal se lança ao mar nas Grandes Navegações, por exemplo, depois de fundar a Escola de Sagres e concentrar as diferentes técnicas e tecnologia que estavam disponíveis na Europa e região do Império Turco-Otomano.

Oras, numa situação hipotética, o que significaria ao Brasil desenvolver uma bomba atômica? Pode me chamar de imediatista, mas eu entendo que significaria a possibilidade de (1) produzir tecnologia de acordo com os interesses do Brasil, (2) não ser atacado por isso e (3) poder dialogar com os países que já estão no topo de igual para igual.

Eu interpreto que Celso Amorim encaminha-se na direção desse meu pensamento, inclusive quando ele afirma que o Irã tem direito de enriquecer urânio para atender às necessidades energéticas do país. Esse modelo energético é o mesmo que é seguido pelo Japão, pela França, pela Inglaterra e pelos próprios EUA.

Há um acordo feito pelo Brasil e Argentina nos anos 80, salvo engano. Esse acordo evita uma corrida armamentista desnecessária, já que os dois países podem vigiar quaisquer instalações no outro território. Por exemplo, se a Argentina suspeitar que temos bombas atômicas, em nome do equilíbrio e da paz da América do Sul, eles podem ter acessos a documentos e instalações que nem a AIEA pode requisitar ou visitar.

Ou nós não temos nada (ainda?), ou nós temos algo e a Argentina nos dá um grande apoio (tipo EUA & Canadá).

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Guarani é oficializado como segunda língua em município do Mato Grosso do Sul

 por Gustavo - recebido por e-mail

O guarani é a segunda língua oficial do município de Tacuru, no Mato Grosso  do Sul. O município é o segundo do país a adotar um idioma indígena como língua oficial, depois da sanção, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 de maio, do Projeto de lei que oficializa a língua guarani em Tacuru. Com a nova lei, os serviços públicos básicos na área de saúde e as campanhas de prevenção de doenças neste município devem, a partir de agora, prestar informações em guarani e em português.

O primeiro município do Brasil a adotar idioma indígena como língua oficial,  além do português, foi São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo norte do Amazonas. Além do português, São Gabriel tem três línguas indígenas oficiais: o *Nheengatu*, o *Tukano* e o *Baniwa*.

Em Tacuru, pequeno município no cone sul do estado do Mato Grosso do Sul,  próximo ao Paraguai formado por uma população de 9.554 habitantes, segundo estimativa do IBGE de 2009, 30% de seus habitantes são guarani residentes na aldeia de Jaguapiré, situada no município. A maioria dos 3.245 indígenas de Tacuru não é bilíngue, ou seja, fala somente o Guarani o que dificulta o  acesso aos serviços públicos mais essenciais.

Com a nova lei, a Prefeitura de Tacuru se compromete a apoiar e a incentivar  o ensino da língua guarani nas escolas e nos meios de comunicação do município. A lei estabelece também que nenhuma pessoa poderá ser  discriminada em razão da língua oficial falada, devendo ser respeitada e valorizada as variedades da língua guarani, como o *kaiowá*, o *ñandeva* e o *mbya*.

O Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) elogiou a  aprovação da medida e argumentou que o Brasil é multiétnico e que o português não pode ser considerado a única língua utilizada no país. O MPF lembrou que o Brasil é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que determina que, nos Estados onde haja minorias étnicas ou linguísticas, pessoas pertencentes a esses grupos não poderão ser privadas de usar sua própria língua.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os  Povos Indígenas e  Tribais<http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=131> * *determina, dentre outras coisas, que deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros das minorias étnicas possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for  necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.

Em Paranhos, também no Mato Grosso do Sul, tramita um projeto de lei semelhante ao aprovado em  Tacuru, que propõe a oficialização do idioma guarani como segunda língua do município. Em Paranhos  existem 4.250  indígenas guarani. Em todo o estado do Mato Grosso do Sul são 68.824 indígenas, divididos em 75 aldeias.

Para o secretário da Identidade e Diversidade Cultural/MinC, Américo Córdula, a oficialização da língua guarani em mais um município brasileiro vai de encontro à política cultural desenvolvida pelo Ministério da Cultura de proteção e proteção dos saberes tradicionais dos povos indígenas.

No mês de fevereiro (de 2 a 5), a SID/MinC realizou, juntamente com a Itaipu  Binacional, o *Encontro dos Povos Guarani da América do Sul - Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa *que reuniu cerca de 800 índios da etnia do Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina, em Diamante DOeste, no Paraná, para  discutir formas de fortalecer o intercâmbio cultural entre as comunidades dos quatro países.

Temos no Brasil uma comunidade de aproximadamente um milhão de indígenas, formada por 270 povos diferentes, falantes de mais de 180 línguas, informa Córdula. Segundo ele, a população indígena brasileira é detentora de uma grande diversidade cultural, que deve ser protegida por seu caráter formador da nacionalidade brasileira. Com esse objetivo, a SID/MinC já realizou dois prêmios culturais (2006 e 2007) voltados para as comunidades tradicionais indígenas. Foram investidos R$ 3,6 milhões para a premiação de 182 projetos em todo o Brasil.

Este ano, no mês de março, foi criado o primeiro Colegiado de Culturas Indígenas, formado por 15 titulares e 15 suplentes representantes do segmento. No último dia 1º, foi eleito o conselheiro do Colegiado para o  Plenário do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC).

Maria das Dores do Prado, da etnia Pankararu, foi escolhida para defender,  junto ao CNPC, as políticas públicas voltadas para a valorização da cultura de todas as comunidades indígenas brasileiras. Um das reivindicações defendidas pelo segmento durante a Conferência Nacional de Cultural,  realizada em março, quando se deu a eleição do Colegiado, é a manutenção de todas as línguas nativas.